Adoção tardia e as cicatrizes emocionais

Infelizmente a adoção ainda é cercada de muito preconceito. A adoção tardia mais ainda. A “genética ruim”, os traumas sofridos e as dificuldades de adaptação são os medos mais citados por quem pensa em adotar uma criança maior de três anos de idade. No meio de tudo isso existem mitos e verdades, vamos tentar organizar melhor estas dúvidas.

Um dos receios quando se fala em adoção tardia é o trauma que a criança pode carregar. Sim, a criança tem memórias dolorosas de experiências ruins que possa ter vivido. Ela passou por rejeições e abandonos gerando marcas profundas e irreversíveis, como se fossem cicatrizes emocionais. Por outro lado, essas crianças possuem uma enorme capacidade de lidar com problemas e conviver com essas tais cicatrizes. Ainda mais quando elas encontram pais pacientes, amorosos e flexíveis que sejam capazes de ouvi-las, acolhe-las e mostrar-lhes um mundo novo, bem diferente daquele que elas conhecem.

Sobre a tal “genética ruim” podemos pensar o seguinte: todos nós somos compostos de muito mais coisas que a genética. Somos resultados de experiências adquiridas ao longo da vida. Ninguém é “condenado” à uma genética. Portanto, se oferecermos à essas crianças uma nova realidade, novos laços afetivos, novas experiências serão adquiridas e é com essa base que ela irá seguir sua vida e formar sua personalidade.

O período de adaptação é outra grande preocupação dos futuros pais. A adaptação de uma criança maior é mais complexa e cheia de testes. As crianças sentem uma necessidade de testar se a nova família irá realmente aceita-la com toda sua história, traumas e características já adquiridas. A grande maioria das vezes isso acontece de forma inconsciente, ou seja, a criança não faz de propósito. Como a criança já foi rejeitada em outro momento é como se ela quisesse compreender o motivo pelos quais os pais adotivos querem ficar com ela, já que quem deveria amar e cuidar a abandonou anteriormente. Em algum momento crises de raiva podem se fazer presentes. É importante que os pais compreendam que esta raiva não é dirigida à eles, mas sim a toda uma vida que existia anterior a essa nova família.

Essas são apenas algumas situações que podem ocorrer em uma adoção tardia. É importante lembrar que cada relação é uma relação e no decorrer do tempo que ela será construída. Com amor, paciência e respeito ao tempo da criança, as dificuldades vão sumindo pouco a pouco. A criança responde muito rápido ao afeto e na medida em que os laços vão sendo criados, as dificuldades vão enfraquecendo.

A adoção tardia tem tudo para ser uma linda história de recomeço, e apesar das possíveis dificuldades vale muito a pena. Como em qualquer adoção é importantíssimo pensar muito bem antes de tomar esta decisão, pois nenhuma criança merece passar por uma nova história de rejeição. Decisão tomada, medos enfrentados e você estará pronto para formar sua nova família!

Até a próxima!

Livia Oliveira

Psicóloga

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Adoção pelo olhar da criança que foi adotada

Quando falamos sobre adoção pensamos muito na chegada desse filho tão esperado, na adaptação, em como contar sua história, entre tantas outras coisas. Mas já pararam para pensar que, normalmente, olhamos pela ótica do adulto? Falamos sobre o pai, a mãe e a família que irá receber esse novo membro sempre com o olhar de quem espera e não de quem chega. Que tal tentarmos compreender a adoção pelo olhar da criança que foi adotada?

Vamos pensar em como o filho que foi adotado se percebe. A princípio não é para existir diferença alguma entre filhos adotivos e biológicos, porém uma parte da história sempre será diferente, e essa diferença merece atenção. Quando uma criança foi adotada ainda pequena, até mais ou menos dois anos de idade, ela dificilmente terá lembranças de sua família de origem ou abrigo em que morou, portanto a parte da história que antecede a chegada na família fica na fantasia da criança. Fantasia por ser algo não concreto para ela. Não é algo que ela possa lembrar de ter vivido, sendo assim, fica no imaginário da criança tudo aquilo que os pais contam. Não ter uma memória pregressa pode auxiliar no processo de afetividade e identificação com a família, visto que não há comparações, mas ainda assim é possível que ela se perceba diferente dos demais, seja devido à características físicas ou até mesmo por saber de seu passado, por isso o diálogo franco e sincero desde cedo é tão importante.

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Imagem pinterest

No caso de uma adoção tardia a criança tem memórias de sua antiga família ou abrigo. Inevitavelmente ela irá fazer comparações e o processo de identificação com a nova família pode ser mais demorado. A criança pode se sentir rejeitada pela família biológica e deslocada na nova. Pode ainda ignorar seu passado e se sentir totalmente acolhida pela família que a escolheu. Enfim, a criança pode se sentir de muitas formas diferentes, pois são muitos sentimentos envolvidos. Sentimentos que, às vezes, ainda não são totalmente compreendidos. E são esses sentimentos que irão definir como o filho que foi adotado se percebe como pessoa.

O ideal é que a criança não se perceba diferente de ninguém que o cerca, porém é necessário compreender que sua história de vida sempre terá dois inícios: quando nasceu e quando chegou na sua família. O modo como os pais lidam e conversam sobre sua origem influenciará muito em como essa criança irá se percebendo ao longo dos anos. Entretanto, essa percepção pessoal é um processo muito interno e complexo, pois como disse anteriormente, são muitos sentimentos envolvidos. Estamos falando de um passado, de amor, de família, de identificação. Uma ajuda profissional é muito bem vinda para lidar com todos esses sentimentos.

De um modo geral é bastante complicado definir como um filho adotivo se percebe, afinal, é um olhar muito pessoal e interno, mas espero poder ter ajudado um pouquinho mais a compreender o que pode se passar no mundo interno daquele filho que veio do coração.

Livia Oliveira

Psicóloga

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